Título: Peito Grande, Ancas Largas
Autor: Mo Yan
Editora: Ulisseia
Publicação: 2012
Páginas: 690
Sinopse: No
seu romance Peito Grande, Ancas Largas, Mo Yan, o Prémio Nobel da Literatura de
2012, oferece-nos a oportunidade de leitura de um grande épico, cujo enredo se
encontra intimamente interligado com a história da China moderna.
Na
sua narrativa, na primeira pessoa até ao capítulo seis e posteriormente, ora na
primeira, ora na terceira pessoa, o escritor descreve-nos a saga da família Shangguan,
centrada nos seus protagonistas, o masculino, Shangguan Jintong, o filho e no feminino,
Shangguan Lu, a mãe, de cujas histórias se enreda com a da China do século XX, época
em que, após a queda da monarquia, foi colonizada pelas potências ocidentais, tornando-se
depois da primeira guerra mundial, sucessivamente, em parte republicana nacionalista,
de índole democrática parlamentar e depois da guerra civil, que se deu
posteriormente ao fim da segunda guerra mundial, em comunista, de ditadura
popular e mais recentemente liberalizada na sua vertente económica, sem que o Estado
ceda mão da ação política de partido único, não renunciando à sua vertente comunista/capitalista-de-estado,
nem mesmo quando se deu o, condenado pelo ocidente, massacre de Tienanmen,
apesar da vista grossa de alguns governos ocidentais, mais interessados em
fazer negócios com o gigante adormecido, que agora acorda para a realidade
capitalista mundial, ficando-se na sua atitude pseudo liberal de socialista de
mercado, tal como hoje a conhecemos no ocidente.
A
história tem início quando Shangguan Lu se encontra a dar à luz Jintong, o
único filho varão de uma prole de nove filhos, resultante das suas relações com
seis homens e uma violação, sem que nenhum deles seja do seu marido oficial. O
cenário desenrola-se na região nordeste da China, no território que o ocidente
conhece como sendo a Manchúria, outrora colonizada pelo Japão imperial de antes
da segunda guerra mundial. A ação inicial decorre em Dalan, a aldeia natal de
Jintong, no mesmo dia em que é atacada pelas tropas imperialistas da guerra sino-japonesa,
que precede a segunda guerra mundial, no momento em que a sogra da mãe se
debate com o dilema de, ou ajudar a nora no parto dos gémeos, (Jintong tem uma
irmã gémea cega de nascença que simbolizará a cegueira do futuro regime), ou ajudar
uma burra, que agoniza na luta para dar à luz uma mula, resultante da
fecundação de um cavalo garanhão de dimensões desproporcionadas, que
simbolizará o ambígeno resultante da mescla da cultura oriental e do ocidente
cristão, que moldou a China moderna, cujo último resquício acabou por ficar por
Taiwan, Macau e Hong Kong. No cenário do parto de ambas, o marido da mãe e o
sogro desta, são abatidos pelos invasores e a sogra enlouquece, ficando a
partir daí, a mãe, que simbolizará o futuro regime chinês matriarcal do
continente comunista, a exercer o papel de patriarca da família Shangguan. No
romance, a união entre o oriente e o ocidente é também simbolizada pelo ato de
Shangguan Lu, em batizar os seus filhos gémeos, tornando-os cristãos, tal como
o pai deles, o missionário sueco Malory.
Em
Peito Grande, Ancas Largas, Mo Yan descreve-nos um Jintong impotente e que tem
um fétiche por mamas de mulher, que simbolizará a China moderna dependente da
ação protetora do Estado-Nação, pela sua obsessão pelos peitos das mulheres e o
seu benéfico leite materno, que o alimenta, como único nutriente, mesmo quando
se junta à mesa com os familiares, ou confraterniza em alguns eventos sociais,
durante praticamente a sua infância até à puberdade, sendo que, quando das
primeiras tentativas para o iniciar numa alimentação sólida, mais dentro da
normalidade, Jintong tem aversão à comida e rejeita-a liminarmente, pelo que, para
sobreviver, terá de se alimentar, até muito tarde, com leite de cabra, (fornecido
através de uma cabrita que sempre o acompanha para todo o lado), dificilmente
conseguindo atingir uma maioridade assumida, tornando-se um impotente, dependente,
até muito tarde, da proteção da figura maternal. Daí, a comparação da
dependência do povo chinês, das “Tetas do Estado-Protetor” e das suas purgas,
durante o regime maoista, com as suas ações doutrinárias, do desastroso “Grande-Salto-em-Frente”,
que se saldou em três anos de fome e consequentemente, em milhões de vidas
ceifadas, ou da “Grande-Marcha”, ou da “Revolução Cultural”, ou dos escritos do
“Livro-Vermelho” do “Grande-Timoneiro”, trazendo à luz os aspetos mais sórdidos
da sociedade e do género humano, aqueles que se encontram para além do normal,
ou contradizem ocorrências específicas, ou interpretações políticas fundamentalistas
da história, como o da ação destruidora dos pássaros que devastavam as
colheitas, mas cuja falta no cenário do equilíbrio da natureza, traz
posteriormente o desequilíbrio ecológico, provocando mais estragos pela falta
de controlo das pragas dos insetos, simbolizado pela figura do seu futuro
cunhado, Han Passarinheiro, amante da sua primeira irmã, Laidi e pai do seu
sobrinho, Han Papagaio, que, pela mão da sua mulher Lianlian, o irá filantropicamente
tentar salvar, retirando-o das ruas, mas apenas buscando, com a fama do passado
do tio do seu marido, servir-se dele para traficar influências, como solução
para resolver os problemas financeiros dos seus negócios
do Santuário das Aves do Nascente, o que simboliza o arquétipo dos empresários do
novo rumo económico do governo da nova China, na ambivalência, um regime, dois
sistemas.
Depois
da Segunda Guerra Mundial a China mergulhou numa sangrenta guerra civil que
confrontou duas fações opostas, as de Mao
Tsé-Tung, comunistas e as de Chiang Kai-shek, nacionalistas do
Kuomintang, tendo terminado, em 1949, com a vitória dos comunistas e a criação
da República Popular da China. Infelizmente para a família Shangguan, como para
a maioria dos cidadãos de todo o país, o fim da guerra e a vitória dos
comunistas, não trouxe a paz desejada e após a implantação do novo regime, o
povo ainda teve de sofrer as agruras da fome e das purgas que se seguiram,
algumas tão carregadas de estultícia, como de sordidez. A família Shangguan,
como os demais, não escapou disso e as oito irmãs de Jintong, (uma, foi vendida
no mercado de crianças a uma aristocrata russa, a outra, vendeu voluntariamente
o corpo, tornando-se prostituta, para pagar as contas do médico e comprar
remédios, para curar a mãe de uma doença grave), tiveram destinos tão distintos,
como o do povo chinês do último século.
Mais
poderia falar sobre o destino de cada uma das irmãs de Jintong e as suas
comparações com os diversos rumos encetados por este grande povo do oriente, ou
da amante de Jintong, a Velha Jin, que possui apenas uma mama e o salva da
morte certa de uma doença contraída, depois de Jintong regressar do campo de
trabalho, onde cumpriu uma pena de quinze anos a que foi condenado, por ter sido
injustamente acusado de um crime que não cometeu. A Velha Jin, tornou-se, após
a época revolucionária e de abertura do mercado à iniciativa privada, numa
grande empresária de sucesso, que negoceia sucata e faz negócios de receptação
com toda a escória da sociedade da região de Dalan, acolitando o seu amante na
arte dos negócios, fazendo-o seu empregado. Esta sugestão de leitura, dada a
dimensão da obra, poderá parecer incompleta, mas uma análise mais profunda,
deixo-a à instigação dos leitores, para um posterior debate mais alargado.
Peito
Grande, Ancas Largas, apesar do seu volume e número de páginas, (o que por vezes
parece assustar uma grande maioria de leitores), é um romance a não perder e para
ler com grande prazer, servindo para podermos compreender as raízes do que é hoje
a China moderna e o seu povo, cujo país já começou a dar cartas na economia
mundial e que, pelos dados económicos que nos vêm sendo disponibilizados, em
breve se tornará, senão a, pelo menos uma das maiores potências económicas
mundiais. Este romance, que vos aconselho vivamente, encontra-se disponível na
biblioteca escolar “A Casa de Camilo”.
Este
texto foi elaborado por José António Paiva.
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