segunda-feira, 13 de maio de 2013

Peito Grande, Ancas Largas - Livro do Mês


Título: Peito Grande, Ancas Largas

Autor: Mo Yan

Editora: Ulisseia

Publicação: 2012

Páginas: 690


SinopseNo seu romance Peito Grande, Ancas Largas, Mo Yan, o Prémio Nobel da Literatura de 2012, oferece-nos a oportunidade de leitura de um grande épico, cujo enredo se encontra intimamente interligado com a história da China moderna.
Na sua narrativa, na primeira pessoa até ao capítulo seis e posteriormente, ora na primeira, ora na terceira pessoa, o escritor descreve-nos a saga da família Shangguan, centrada nos seus protagonistas, o masculino, Shangguan Jintong, o filho e no feminino, Shangguan Lu, a mãe, de cujas histórias se enreda com a da China do século XX, época em que, após a queda da monarquia, foi colonizada pelas potências ocidentais, tornando-se depois da primeira guerra mundial, sucessivamente, em parte republicana nacionalista, de índole democrática parlamentar e depois da guerra civil, que se deu posteriormente ao fim da segunda guerra mundial, em comunista, de ditadura popular e mais recentemente liberalizada na sua vertente económica, sem que o Estado ceda mão da ação política de partido único, não renunciando à sua vertente comunista/capitalista-de-estado, nem mesmo quando se deu o, condenado pelo ocidente, massacre de Tienanmen, apesar da vista grossa de alguns governos ocidentais, mais interessados em fazer negócios com o gigante adormecido, que agora acorda para a realidade capitalista mundial, ficando-se na sua atitude pseudo liberal de socialista de mercado, tal como hoje a conhecemos no ocidente.
A história tem início quando Shangguan Lu se encontra a dar à luz Jintong, o único filho varão de uma prole de nove filhos, resultante das suas relações com seis homens e uma violação, sem que nenhum deles seja do seu marido oficial. O cenário desenrola-se na região nordeste da China, no território que o ocidente conhece como sendo a Manchúria, outrora colonizada pelo Japão imperial de antes da segunda guerra mundial. A ação inicial decorre em Dalan, a aldeia natal de Jintong, no mesmo dia em que é atacada pelas tropas imperialistas da guerra sino-japonesa, que precede a segunda guerra mundial, no momento em que a sogra da mãe se debate com o dilema de, ou ajudar a nora no parto dos gémeos, (Jintong tem uma irmã gémea cega de nascença que simbolizará a cegueira do futuro regime), ou ajudar uma burra, que agoniza na luta para dar à luz uma mula, resultante da fecundação de um cavalo garanhão de dimensões desproporcionadas, que simbolizará o ambígeno resultante da mescla da cultura oriental e do ocidente cristão, que moldou a China moderna, cujo último resquício acabou por ficar por Taiwan, Macau e Hong Kong. No cenário do parto de ambas, o marido da mãe e o sogro desta, são abatidos pelos invasores e a sogra enlouquece, ficando a partir daí, a mãe, que simbolizará o futuro regime chinês matriarcal do continente comunista, a exercer o papel de patriarca da família Shangguan. No romance, a união entre o oriente e o ocidente é também simbolizada pelo ato de Shangguan Lu, em batizar os seus filhos gémeos, tornando-os cristãos, tal como o pai deles, o missionário sueco Malory.
Em Peito Grande, Ancas Largas, Mo Yan descreve-nos um Jintong impotente e que tem um fétiche por mamas de mulher, que simbolizará a China moderna dependente da ação protetora do Estado-Nação, pela sua obsessão pelos peitos das mulheres e o seu benéfico leite materno, que o alimenta, como único nutriente, mesmo quando se junta à mesa com os familiares, ou confraterniza em alguns eventos sociais, durante praticamente a sua infância até à puberdade, sendo que, quando das primeiras tentativas para o iniciar numa alimentação sólida, mais dentro da normalidade, Jintong tem aversão à comida e rejeita-a liminarmente, pelo que, para sobreviver, terá de se alimentar, até muito tarde, com leite de cabra, (fornecido através de uma cabrita que sempre o acompanha para todo o lado), dificilmente conseguindo atingir uma maioridade assumida, tornando-se um impotente, dependente, até muito tarde, da proteção da figura maternal. Daí, a comparação da dependência do povo chinês, das “Tetas do Estado-Protetor” e das suas purgas, durante o regime maoista, com as suas ações doutrinárias, do desastroso “Grande-Salto-em-Frente”, que se saldou em três anos de fome e consequentemente, em milhões de vidas ceifadas, ou da “Grande-Marcha”, ou da “Revolução Cultural”, ou dos escritos do “Livro-Vermelho” do “Grande-Timoneiro”, trazendo à luz os aspetos mais sórdidos da sociedade e do género humano, aqueles que se encontram para além do normal, ou contradizem ocorrências específicas, ou interpretações políticas fundamentalistas da história, como o da ação destruidora dos pássaros que devastavam as colheitas, mas cuja falta no cenário do equilíbrio da natureza, traz posteriormente o desequilíbrio ecológico, provocando mais estragos pela falta de controlo das pragas dos insetos, simbolizado pela figura do seu futuro cunhado, Han Passarinheiro, amante da sua primeira irmã, Laidi e pai do seu sobrinho, Han Papagaio, que, pela mão da sua mulher Lianlian, o irá filantropicamente tentar salvar, retirando-o das ruas, mas apenas buscando, com a fama do passado do tio do seu marido, servir-se dele para traficar influências, como solução para resolver os problemas financeiros dos seus negócios do Santuário das Aves do Nascente, o que simboliza o arquétipo dos empresários do novo rumo económico do governo da nova China, na ambivalência, um regime, dois sistemas.
Depois da Segunda Guerra Mundial a China mergulhou numa sangrenta guerra civil que confrontou duas fações opostas, as de Mao Tsé-Tung, comunistas e as de Chiang Kai-shek, nacionalistas do Kuomintang, tendo terminado, em 1949, com a vitória dos comunistas e a criação da República Popular da China. Infelizmente para a família Shangguan, como para a maioria dos cidadãos de todo o país, o fim da guerra e a vitória dos comunistas, não trouxe a paz desejada e após a implantação do novo regime, o povo ainda teve de sofrer as agruras da fome e das purgas que se seguiram, algumas tão carregadas de estultícia, como de sordidez. A família Shangguan, como os demais, não escapou disso e as oito irmãs de Jintong, (uma, foi vendida no mercado de crianças a uma aristocrata russa, a outra, vendeu voluntariamente o corpo, tornando-se prostituta, para pagar as contas do médico e comprar remédios, para curar a mãe de uma doença grave), tiveram destinos tão distintos, como o do povo chinês do último século.
Mais poderia falar sobre o destino de cada uma das irmãs de Jintong e as suas comparações com os diversos rumos encetados por este grande povo do oriente, ou da amante de Jintong, a Velha Jin, que possui apenas uma mama e o salva da morte certa de uma doença contraída, depois de Jintong regressar do campo de trabalho, onde cumpriu uma pena de quinze anos a que foi condenado, por ter sido injustamente acusado de um crime que não cometeu. A Velha Jin, tornou-se, após a época revolucionária e de abertura do mercado à iniciativa privada, numa grande empresária de sucesso, que negoceia sucata e faz negócios de receptação com toda a escória da sociedade da região de Dalan, acolitando o seu amante na arte dos negócios, fazendo-o seu empregado. Esta sugestão de leitura, dada a dimensão da obra, poderá parecer incompleta, mas uma análise mais profunda, deixo-a à instigação dos leitores, para um posterior debate mais alargado.
Peito Grande, Ancas Largas, apesar do seu volume e número de páginas, (o que por vezes parece assustar uma grande maioria de leitores), é um romance a não perder e para ler com grande prazer, servindo para podermos compreender as raízes do que é hoje a China moderna e o seu povo, cujo país já começou a dar cartas na economia mundial e que, pelos dados económicos que nos vêm sendo disponibilizados, em breve se tornará, senão a, pelo menos uma das maiores potências económicas mundiais. Este romance, que vos aconselho vivamente, encontra-se disponível na biblioteca escolar “A Casa de Camilo”.

Este texto foi elaborado por José António Paiva.

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