segunda-feira, 12 de maio de 2008

"Os Maias" e o nosso tempo

«A impressão geral que nos fica da leitura d’Os Maias, nomeadamente do último capítulo, é a de uma sociedade decadente, despersonalizada, apática e sem vontade de progredir.»
Será esta visão muito diferente da que alguns cronistas actuais têm de Portugal do século XXI?

Desde que aprendi a ler e me interessei por jornais ou revistas, que fiquei com a sensação de viver num país onde o pessimismo e a descrença eram as palavras de ordem. A verdade é que, analisando com mais atenção as crónicas e os artigos de opinião que povoam a imprensa portuguesa, salientando a sua inferioridade em relação às restantes sociedades europeias, não podia causar outro efeito se não a de implementar uma mentalidade pessimista e depressiva.

Abri o Jornal de Notícias de segunda-feira, 14 de Abril de 2008, dirigi-me à secção de opinião e logo me deparei com um artigo da autoria de um deputado do PCP acerca de economia política, que criticava ferozmente a eficácia da actuação do governo na cobrança de impostos. Fala-se de política, logo nos vem a palavra défice à memória, de tão explorado que o assunto está pela comunicação social e pelos políticos, sejam eles da oposição ou não. De facto, quando se trata de criticar, o português não economiza palavras. Também n’Os Maias, cuja acção decorreu há mais de um século, se debate política e finanças, e se reprova o já estado decadente da nação. A verdade é que tanto no Portugal d’Os Maias como no Portugal contemporâneo o governo português não é famoso pela sua qualidade de gestão, combate à criminalidade e independência de países estrangeiros.


No episódio do Hotel Central, da obra do deliciosamente irónico Eça de Queirós, Dâmaso protagoniza uma peripécia onde está bem evidente o espírito que o português típico ainda hoje mantém. No prolongamento da conversa sobre o estado da economia portuguesa, este caricaturado personagem afirma, com «ar de bom senso e de finura», que «Se as coisas chegassem a esse ponto, se se pusessem assim feias, eu cá, à cautela, ia-me raspando para Paris.» Esta foi a opinião, por uma vez sincera embora infeliz, de Dâmaso Salcede.

Enquanto redijo este texto vou-me deparando na minha pesquisa, com inúmeros artigos no Jornal de Notícias, Correio da Manhã ou Público, entre outros, acerca da fraude fiscal que se coadunam com a ideia do personagem d’Os Maias. Para quê fazer algo em prol do nosso tão estimado país, daquele que foi nosso berço de nascimento, e ter que pagar os elevadíssimos impostos que os nossos governantes nos impõem, se podemos ver-nos livres desse encargo e contribuir para a falência de tão querido país?

Os tempos mudam, mas as mentalidades não. Estão de tal forma enraizadas em alguns estratos sociais que, se não fosse aluna da disciplina de Biologia, poderia afirmar que se tratava de uma questão hereditária.

Tomando ainda como exemplo Dâmaso, este «cabide de defeitos
[1]» que Eça de Queirós utiliza para «ajustar as suas contas com a humanidade[2]», temos um exemplo do novo-riquismo, que é, actualmente, tão medíocre e ridículo como na época da Monarquia. Histórias acerca de damas e cavalheiros que se exibem com automóveis e roupas de luxo e que frequentam os mais badalados locais de convívio, mas que sofrem de amnésia quando se trata de pagar os bens que ostentam, não faltam na praça pública. Porém, tal como para este admirador de Carlos da Maia, o importante é o «chique a valer».

Como último exemplo, visto que na minha opinião já não há grande margem para dúvidas acerca do paralelismo entre a sociedade contemporânea e a sociedade do século XIX, apresento as corridas de cavalos.

Este episódio no hipódromo lisboeta é um exemplo vivo da futilidade, da falta de originalidade portuguesa, da imitação que se procurou e ainda hoje se procura fazer dos costumes de outros países. Felizmente, as corridas de cavalos como Eça de Queirós nos apresentou são para mim desconhecidas na actualidade. Este evento foi substituído pelas famosas festas do jet-set onde já é mais adequado os convidados pavonearem-se com os seus vestidos de veludo e renda ou com os seus fatos de alta-costura. No entanto, o objectivo é o mesmo. E tal como a Corneta do Diabo, a imprensa cor-de-rosa actual não deixa para outrem o seu papel de revelar as tramas de vidas alheias.

«Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades/ Muda-se o ser, muda-se a confiança; / Todo o mundo é composto de mudança, / Tomando sempre novas qualidades.», Poetizou o grande português Luís Vaz de Camões, no século XVI.

Na minha humilde opinião de espectadora de alguns dos casos que se vão desenrolando no panorama da sociedade portuguesa, penso que as vontades e o ser não mudaram assim tanto com o decorrer dos tempos. Talvez haja uma mudança nos objectivos particulares a que nos propomos, talvez sejam diferentes os problemas que vão surgindo, mas as suas causas e efeitos gerais prevalecem os mesmos desde o nascer do Homem.
Assim, para concluir, respondo com bastante firmeza à questão que foi levantada: embora seja incomparável a escrita do grande Eça, a visão que este fazia de Portugal é muito semelhante àquela que, actualmente, cronistas ou meros leitores têm do nosso país.

Joane, 15 de Abril de 2008


Cristina Silva, n.º 7, 11.º E
[1] in Eça de Queirós, Os Maias, Apontamentos Europa-América, 4.º edição, Abril de 2004
[2] idem

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